Jurisprudência: aplicação da Tabela Price nos contratos de compra e venda de imóveis

Vanessa Salem Eid
Advogada do escritório Marcos Martins Advogados

A aplicação da “Tabela Price” em contratos de compra e venda de imóveis, sobretudo aos ainda em fase de construção, é prática comum do mercado há muitos anos.

Com o desenvolvimento do mercado imobiliário, houve o aumento do número de processos discutindo a aplicação da Tabela Price sob a alegação de que a forma de cômputo dos juros seria abusiva.

Em decisão monocrática no Recurso Especial nº 951.894/DF, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Isabel Gallotti, afastou a presunção de ilegalidade da Tabela Price aplicada na atualização das parcelas de financiamento imobiliário.

Na origem, ficou decidido que a utilização da Tabela Price é proibida, porque levaria à capitalização mensal de juros. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios manteve esse entendimento e, ainda, decidiu que por conta da abusividade inerente à forma de remuneração da dívida pela Tabela Price não seria necessária a produção de prova pericial requerida pela parte ré (que concedeu o financiamento para a compra do imóvel pelo autor).

Essa situação já foi objeto de discussão em diversos outros casos e a jurisprudência do STJ se consolidou “no sentido de que havendo discussão acerca da ‘legalidade da utilização da Tabela Price – mesmo que em abstrato’ – será imprescindível facultar-se às partes a prova pericial, não cabendo ao Juiz escolher a seu nuto entre uma teoria matemática ou outra sem valer-se da prova técnica.

A ministra Isabel Gallotti ponderou, ainda, que, “no decorrer da relação contratual, frequentemente o valor da prestação mensal está tão aviltado que não paga sequer a parcela de juros vencidos no período. Nesta hipótese, ocorrerá amortização negativa, com os juros vencidos integrando o saldo devedor, sobre o qual haverá nova incidência de juros. O mesmo sucederá em caso de inadimplência do mutuário. Não sendo pagas as prestações, os juros e a correção monetária serão incorporados ao saldo devedor, sobre o qual incidirão novos juros”. Para concluir que “a amortização negativa não é, pois, consequência do mero emprego da fórmula Tabela Price, mas do descompasso entre a correção do encargo mensal e do saldo devedor, ou da inadimplência do mutuário ou de ambos os motivos”.

A discussão em comento se tornou acalorada nos tribunais nacionais, até porque sendo a perícia imprescindível, em muitos casos é possível a comprovação de que os juros estão sendo aplicados de forma abusiva. O entendimento que prevalece é o de que a prática de juros capitalizados é permitida em hipóteses excepcionais e expressamente previstas em lei, a exemplo do art. 15-A da Lei 11.977/2009, do art. 6º da Lei 4.380/64 – Sistema Financeiro da Habitação; e do art. 1º da Lei 4.864/65 – Lei de Estímulo à Construção Civil). O próprio STJ já editou a Súmula 539, permitindo a aplicação da capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Assim sendo, tratando-se de contratos avençados entre particulares, o Decreto 22.626/1933 desautoriza a capitalização de juros, assim compreendida como a prática do anatocismo. Nesses casos é indevida a aplicação da Tabela Price, devendo os juros remuneratórios limitar-se em 1% ao mês. Esse foi o entendimento da juíza de Direito Marivone Koncikoski Abreu, da 1ª vara Cível de São José/SC, que, no processo 5003357-95.2019.8.24.0064, afastou a aplicação da Tabela Price em contrato de compra e venda de imóvel celebrado com uma incorporadora, determinando que os juros remuneratórios se limitem em 1% ao mês sobre todas as parcelas pagas[1].

A conclusão que chegamos é de que a interferência do Poder Judiciário em contratos dessa natureza tão somente exige a aplicação critérios técnicos devidamente estabelecidos pela realização de prova pericial quando se verifica descompasso entre a atualização do encargo mensal e do saldo devedor, independentemente do sistema de amortização aplicado.

O escritório Marcos e Martins Advogados segue acompanhando a jurisprudência sobre o tema e sua consolidação de modo a atender forma célere e assertiva todos os clientes que eventualmente tenham alguma demanda nesse sentido.


[1] “JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na presente ação revisional proposta por Helena da Silva em face de Paysage Parque Verde Empreendimentos Imobiliários LTDA, na forma do art. 487, I, do CPC, para: DECLARAR indevida a aplicação da Tabela Price, devendo os juros remuneratórios limitar-se em 1% ao mês, incidindo unicamente, de forma simples, sobre cada uma das 120 (cento e vinte) parcelas mensais; CONDENAR a ré à compensação ou à repetição do indébito, na forma simples, dos valores pagos indevidamente de acordo com esta sentença em favor da autora, incidindo correção monetária pelo INPC desde o pagamento indevido e juros moratórios de 1% ao mês, contados a partir do trânsito em julgado.”

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